sábado, 29 de outubro de 2005

Mein Vampyr

E o notívago – criatura na qual se pode confiar até dez por cento – pela madrugada, errante de ruas frias e abandonadas, encontrara o rio da vida há poucos instantes... Sob a pele ainda arde o fogo, correndo violentamente em seu corpo vazio. O céu, sutilmente, tornava-se mais claro. Neblina, sombras... Caminhos mal iluminados cujas lembranças de remota Vida vivem na breve memória dos bêbados, perdidos em espalhados botecos...
Um sobrado, lápide erguida sobre meu túmulo. Residencial Pax Domini. Ficava na Barra Funda, um sobrado grande, quase sem móveis, cheirando a viuvez. Feito em pensionato. Em meu quarto os livros de auto-ajuda ocupavam um bom espaço na estante... Distante lamento ressoa nas estreitas escadas que levam até o terceiro andar. Um sorriso destrói a máscara. O sorriso não é alegre. Triste espetáculo o de uma criança que chora. Magra, depressiva, cansada, perdida. Sua mãe caída no alto da escada. É pura poesia; pensava... fumando escondida. Eis o resultado de ler confissões. A ruiva, pele pálida, olhar pálido, entre pontas de cigarro e fumaça, fala baixinho enquanto passo por ela; isto não é vida... E está vivendo...
Quando ela desapareceu, senti uma espécie de solidão.
O pranto é livre. Mas não se constrói nenhuma felicidade sobre lágrimas, mesmo que um tanto falsas...
...
Era como um conto de fadas. Sem fadas. Ah, e os gregos...! A história de Tântalo... A minha história... beber tanto a literatura, embriagar-me com ela em solitários sábados, e não conseguir mitigar a minha sede... Entontecer-me com o vinho das minhas uvas. Meu secreto desespero, minha aflição de todos os minutos. Quando serei liberto dos teus grilhões? Um suspiro que andava preso se soltou. Por que suspiro?
O peso infame dos pensamentos futuros... Estreitas limitações do meu conhecimento, as largas, insanáveis falhas da minha educação tão autodidata, os inalcançáveis horizontes, as improváveis possibilidades de alcançá-los...
***
Um rascunho que jamais virou literatura.

sexta-feira, 28 de outubro de 2005

Big Bang

Às vezes, tenho vontade de explodir e começar tudo de novo.

“Push my fingers into my eyes... it’s the only thing that slowly stops the ache, but it’s made of all the things I have to take. Jesus, it never ends, it works its way inside… If the pain goes, I’m not gonna make it!!!” (Duality – Slipknot)


Quem nunca passou por um momento em que a única coisa capaz de cessar a dor seria enfiar os dedos nos olhos? Uma dor interior tão insuportável que apenas causando dor física ainda maior para esquecer aquilo que nos corrói por dentro.
Como uma paródia minha para a letra de Ideologia, do Cazuza: “Cardiologista, eu quero uma pra viver! Alguém que cure as dores do meu coração”. Ah, mas se fosse algo que pudesse ser resolvido apenas com uma mulher!... Poderia ter tudo à mão – bom emprego, tempo de lazer satisfatório, boa saúde, uma companheira para em entender, bons amigos, riquezas, etc etc etc... Nada disso preencheria o vazio interior.
E é uma situação por tanto tempo prolongada que vez em quando sou levado a crer que se trata de uma condição de existência do meu ser. Essa solidão no meio de tantas felicidades. Uma solidão que relaciono a um mau humor excessivo e constante. Distimia talvez.
Não há muito o que dizer sobre o nada, o vazio. Pelo menos, não pelo indivíduo que sofre com esse nihilismo.

E apesar de tudo, olhar a chuva torrencial de lá fora é vontade de sair a esmo pelas ruas, na esperança de a chuva levar com a correnteza essa bílis negra...

terça-feira, 25 de outubro de 2005

Armas não matam pessoas. Pessoas matam pessoas.

Como indica o resultado da votação, 63,94% da população defende a posse de armas por civis. Um bom resultado eu diria. Ainda temos a opção de nos protegermos com armas de fogo; nós, os “cidadãos de bem”. Considerando que o problema da violência não é uma questão de armas de fogo, mas de conscientização social, educação. É um problema cultural!
Por outro lado, mesmo após a não aprovação do artigo 35º do Estatuto do Desarmamento (“É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º desta Lei”) por meio do referendo do dia 23 de outubro, tenho a sensação de que algo muito provavelmente muito ruim está por vir.
No fundo, não acredito que o referendo tratasse apenas da aprovação do dispositivo de desarmamento. O que está por trás disso? Esse algo que não posso definir é o que me intriga, e de certa forma me amedronta.
Por que nos querem desarmados, sendo que a própria Lei 10826 afirma que as Forças Armadas, os agentes da ABIN, as polícias, as empresas de segurança privada e de transporte de valores constituídas, os bandidos e os traficantes estarão armados?
Se a população iraquiana não fosse armada aos dentes, seria alvo fácil para a invasão estadunidense, pois não teria como oferecer a menor resistência às tropas militares. Não estou dizendo que pressinto uma invasão do Brasil, talvez isso seja apenas uma hipótese sem maiores fundamentos.
Enfim, pode ser uma paranóia minha, mas creio não ser o único a sentir isso, esse medo das conseqüências do dia 23 de outubro.

Em essência...

A misantropia é um mau humor, um simples e verdadeiro Ódio contra nossos próprios semelhantes, mas que não se enfrenta, quase nunca, diretamente, e que deriva da convicção de que essa infelicidade é causada pelos nossos semelhantes.