segunda-feira, 4 de junho de 2007

SELF-PORTRAIT

...do tipo que escreve notas de sucídio, despedindo-se ou apenas se justificando; que escreve cartas de repúdio tanto para particulares quanto para estereótipos, às vezes até para si mesmo; que canta revolta com letras próprias e com letras apropriadas; cartas de despedida, nas quais sempre diz que um dia voltarão a se encontrar e que jamais se esquecerá dela; elogios e lembranças; cartas anônimas contra multinacionais; bilhetes com sugestões e reclamações, dessas que se deposita em caixinhas esquecidas de lado em balcões de atendimento.
Do tipo que escreve seu diário na esperança de que aquilo um dia seja lido com interesse por alguém que amou e que sente sua falta. Escreve críticas e comentários despreocupados sobre os livros e músicas que consome. Ele escreve sempre e tudo o que pensa. Ele sabe que ninguém lerá, por isso não publica não mostra não guarda. Ele escreve com o olhar, a expressão dos músculos do rosto, com um gesto ou uma palavra a esmo, sem querer escrever e não pára em momento algum de produzir essa vida. Divide em capítulos, partes, livros, e faz a obra tão extensa que ninguém se anima a começar a leitura. Cada um está preocupado com a própria vida e não pode perder tempo lendo sobre o outro.
As pessoas falam de si pois sabem que talvez seja a única forma de ser percebido - invadindo os ouvidos de todos ao redor. Ele também sabe disso, e escreve! Alguém lerá. Alguém ainda perceberá o que estava entre as letras, entre as linhas, escondido, desesperado por um olhar mais atento, compreensivo. Esse alguém entenderá suas memórias, mesmo que para ele mesmo tudo tenha sido vago.
Toda compreensão é póstuma à realidade assimilada. Ele escreve e guarda para si. Sua vida não terá sido em vão, existe alguém que saberá ler o que não foi publicado. Alguem que escreva em seu lugar, acreditando em sua vida, coisa nem ele mesmo fez. Ele vive. Ele escreve. Ele morrerá e será lido. Nem sempre nessa ordem. Mas há uma ordem. Imperativo e organização.
Há um sentido em viver. Tem que haver!